É como se o cérebro estivesse tão doente que confundisse prazer e dor.
Como se a dor fosse bem-vinda, ao invés de indesejada. Um alívio, uma doce surpresa, um torpor que acalenta.
É como se você não quisesse mais que fosse embora. Como se trouxesse alívio. Como se, ao invés de extirpar a dor, você goste que ela fique.
É a sua nova zona de conforto. E conforta mais que todo o resto das coisas.
Até que dói tanto, tanto, que parece que não vai suportar. Dói sem parar, por horas, por dias. Você não sabe mais se a dor é constante ou se ela aumenta.
Mas é insuportável. Incomoda o dia inteiro, a noite inteira, a cada segundo, sem parar. Nunca para. Não dá trégua, não melhora.
Você não vê chance de melhorar, não tem expectativa, não há esperança para nada mais, não tem luz no final do túnel, não tem luz no final do caminho. Se é que existe um caminho.
Porque, ao que parece, não existe. Não tem pra onde correr. Não tem pra onde ir. Você se vê completamente perdido, num espaço tão vasto que é assustador.
E, apesar de não ter sentido, você se sente claustrofóbico. Sufocado. Como se o mundo se fechasse ao seu redor, ao redor da sua garganta, e de repente, você não conseguisse respirar.
E então, você percebe que não está respirando direito mesmo. Que está ofegando. Que seu coração bate tão rápido que parece que vai sair do peito. E então dói. O peito dói.
E você está tremendo. É como se cada músculo do seu corpo contraísse involuntariamente. É terrível.
Perder o controle sobre si mesmo é terrível. Perder o controle sobre seu corpo, sua mente, como se você fosse escravo das vozes na sua cabeça. E elas dizem tanto! E nunca deixam em paz.
Dizem que você não é bom o suficiente. Que você nunca foi, e não há a mínima possibilidade de ser, um dia. Dizem que ninguém se importa, que as pessoas só fingem porque são curiosas.
É natural do ser humano ser curioso, afinal de contas. E, quando você não está lá, riem de você. Riem pelas suas costas daquilo que você sente. Do pouco que divide com poucos. Talvez com ninguém.
Dizem que eles tem razão. Você é risível mesmo. Não é merecedor da felicidade que eles tem, que eles demonstram. Não é merecedor da verdade deles, da sinceridade deles.
Não é merecedor de nada, além de conviver consigo mesmo, uma criatura suja e desprezível, que não tem o mesmo valor que um ser humano. Um bicho nojento que deveria ter nascido rastejando, se esconder nas sombras e se alimentar de detritos.
E você se pergunta, frequentemente, o que fez para ser assim, para passar por isso. Porque as vozes não se calam. Porque você ainda acredita nelas. Mas não vê como se soltar. Como deixar pra lá.
Porque sua cabeça é o seu pior inimigo todos os dias da sua vida.
E então a dor física começa a parecer uma saída. Quando você se machuca acidentalmente, você relaxa e se distrai da dor que vem de dentro.
A loucura da mente é tamanha que a dor física se torna algo bom, prazeroso até. E aí, algumas vocês, você procura isso. E mesmo quando não é bom, quando passa do limite, você suporta. Porque é muito mais suportável do que a outra dor.
E porque, afinal de contas, você está convencido de que merece. Merece a dor e o sofrimento físico. Merece as marcas no corpo, tão fundas quanto as da alma. Merece não ficar em paz, nunca, nem quando você dorme.
Nem quando você dorme. Porque os sonhos, muitas vezes, são piores que viver a realidade. Porque as crises de insônia são horríveis, mas perto dos pesadelos, são reconfortantes. Afinal de contas, você nunca descansa realmente. Porque sua mente nunca descansa. E então, ter o corpo cansado é coerente, e é mais fácil de lidar.
E no final das contas, você nunca sabe o que está fazendo. Não distingue mais certo do errado. Nunca sabe exatamente o que está sentindo. Não entende nem sozinho, não saberia explicar pros outros. É um sofrimento agonizante, angustiante, e cada dia que passa, o buraco parece mais fundo. Cada dia mais difícil de levantar, cada dia mais difícil de seguir. Cada dia mais difícil de buscar ajuda.
Não é como se nada valesse a pena, nem ninguém. O mundo vale a pena, e você sabe disso. É como se você não valesse a pena pro resto do mundo. Não vale nada pras pessoas, nem pras situações, nem pros lugares. Ninguém liga realmente, ninguém nunca vai entender da tua dor. Ninguém se importa.
Ninguém se importaria se você fosse. Ninguém se importaria se você partisse, se você desaparecesse para nunca mais voltar. Ninguém ligaria se você morresse. As pessoas tem as vidas delas, das quais você sabe que não faz parte. As quais você está ciente que só assiste. E quando você age, fala, interfere, sabe que incomoda, sabe que ninguém quer você ali. Sabe que todo mundo ficaria melhor se você sumisse.
Então não, não é um chamado desesperado por atenção. Quando você se vai, é apenas para calar as vozes. Para anestesiar a dor, de uma vez por todas. Se você se vai, é porque você não aguenta mais, está cansado demais, exausto demais. Anseia pra encontrar a sua paz; a tal da paz interior, que os outros procuram, que você não consegue encontrar.
Porque o seu interior tem de tudo, menos paz.
Tem gritos e resmungos, tem cheiros fortes e tão ruins que causariam ânsia. É tudo pútrido, fétido, roto. Tem monstros, demônios e abominações, está tudo escuro, mas é possível enxergar o horror, o ambiente hediondo, sangrento, a carnificina que acontece dentro de você. Causa repulsa, aversão, pavor. Pavor de si mesmo. De tudo que você sente, de tudo que você viu, de tudo que você é.
Todo o terror que você quer apagar. Tudo aquilo de que você quer fugir.
E você espera, independente da sua fé, das suas crenças – ou falta delas – que, no depois, se houver um depois, e seja lá onde for, haja um lugar onde você se encaixe. Onde não sinta mais dor. Onde não haja mais trevas no teu coração. Onde se sinta completo, sinta que pertence.
Onde você encontre a sua paz.