O diário de Lara

Hoje o Miguel e eu saímos juntos de novo. Nada demais, antes que você pergunte. Coisa de amigo. Bem que eu queria que fosse mais que isso. Voltando ao ponto, ele me ligou e eu não tive como recusar, mesmo tendo prometido guardar essa semana só pra mim, pros meus pensamentos, pra estudar, curtir a família e principalmente pra esquecer o Miguel. Mas é o Miguel. Você entende, não é?

O Miguel é amigo do Júlio, meu irmão mais velho desde que eu me lembro. Deu pra sacar? Ele nunca me olharia como eu olho pra ele, e mesmo que olhasse, nunca rolaria nada entre a gente.

A gente foi num barzinho com uns amigos, que pra falar a verdade, são todos amigos do Júlio. Eu tava me sentindo meio intrusa, além de ficar meio besta porque tava perto do Miguel. Eu queria saber lidar normalmente, sem parecer uma retardada que ri demais de qualquer coisa que ele diga, sem ficar olhando fixamente naqueles olhos cor de mel e sem ficar babando igual uma tonta em cima dele. Mas eu não sou normal.

O Miguel foi me pegar em casa e passou o caminho inteiro comentando o quanto eu estava parecendo uma criança sapeca com aquela roupa. Eu revirava os olhos e socava seu ombro fraquinho, mas ele só sabia rir da minha cara sem parar. Por causa do trânsito, a gente passou um bom tempo à sós conversando bobagens, aleatoriedades e coisas que eu só falava com o Miguel, que meu irmão nem podia desconfiar. Palavrões e coisa e tal, porque minha família sempre foi chata e rigorosa pra essas coisas.

Miguel é meu porto seguro, e de uns meses pra cá a gente tem se aproximado, o que pra mim seria bom, se ele não fosse amigo do meu irmão. Mas convenhamos, o problema disso tudo é que eu sou sonhadora demais, porque um cara como ele nunca, nunca, NUNCA, nunquinha olharia pra uma garota como eu (até porque eu conheço seu tipo de garota e  não faço parte do padrão). Ele vem sendo um ótimo amigo e eu tento ser uma boa amiga também, às vezes banco a palhaça só pra vê-lo rir porque acabo rindo junto.

Quando a gente chegou o pessoal já estava por lá e o Miguel foi buscar uma cerveja com alguns dos outros meninos. Eu fiquei na minha porque odeio cerveja e não tava afim de beber nenhuma outra coisa. Assim que eles voltaram fomos pras mesinhas de pebolim, já que as de bilhar estavam ocupadas. Por mim tanto fazia, ia acabar pagando mico e sendo zoada por todos eles de qualquer jeito. Queria ter ficado no time do Miguel, mas ele foi jogar com o Rodrigo e eu jogava com o Luquinhas. Foi engraçado, principalmente porque eu era a pior dali. Numa hora, o Rodrigo fez um ponto e o Miguel veio tirar sarro, apontando o dedo na minha cara daquele jeito arrogante que eu detesto:

– WOOOOOW! BEM RODRIGO! – comemorava ele, antes de se aproximar – NOSSA, VOCÊ DEVIA IR PRO INFERNO DEPOIS DESSA, SABIA? – e ria loucamente. Tive certeza de que estava ficando vermelha de raiva e de vergonha. O pessoal gostava de deixar ele e eu em times opostos porque ambos somos muito competitivos e eles morriam de rir com a nossa infantilidade.

– Eu acho que isso foi sorte. – todo mundo se virou pra olhar o Pedro, quieto no canto dele como de costume. Ele não quis jogar – Foi só um palpite – completou.

Miguel ainda esperava minha resposta, mas o Luquinhas e eu estávamos perdendo, então eu não tinha argumentos – PORQUE VOCÊ NÃO VAI PRO INFERNO? – disparei irritada e o Miguel se assustou, arregalando os olhos, mas por pouco tempo porque eu ria sem parar da sua reação.

Decidimos voltar pro jogo e o Lucas marcou ponto, logo foi minha vez de comemorar:

– Nossa Lucas, você joga MUITO, sabia? Diferente daquele golpe de sorte daqueles caras ali – apontava como se não conhecesse. Dei a volta na mesa e cheguei bem perto do Miguel, que deveria ser uns 30 centímetros mais alto, afundei o dedo na camiseta dele e perguntei: – Você não tá com vergonha? Porque não vai pro inferno?

– Pra mim foi sorte de novo – sorri fraco pro Pedro, porque o Miguel estava com uma cara furiosa.

Depois de algum tempo, o próximo ponto foi ele mesmo que fez, o jogo acabou, e eu esperei o troco.

– O que você tá fazendo aqui ainda? Sai daqui vai, melhor pra você. Se eu fosse você já tinha sumido da minha frente e ido PRO QUINTO DOS INFERNOS!

Olhei pra ele atônita, com careta forçada de choro e ele ficou branco. Soquei o ombro dele  – Ah, para de bobeira, você me adora – e sorri largo. Ele me fitava inexpressivo – Ou então eu tô muito enganada e deveria mesmo ir pro inferno – disse, me virando, mas ele me abraçou frouxo, como sempre era na frente dos outros e eu queria muito, muito mesmo que ele tivesse cochichado pra eu ficar, que era besteira. Mas não aconteceu. – Não fica assim, vai, Lauren! – Foi o máximo que ele disse, me chamando pelo apelido que me deu.

Pra mim ele ainda era “o” Miguel. Mas pra ele eu sou só a Lara.