O diário de Lara

Hoje o Miguel e eu saímos juntos de novo. Nada demais, antes que você pergunte. Coisa de amigo. Bem que eu queria que fosse mais que isso. Voltando ao ponto, ele me ligou e eu não tive como recusar, mesmo tendo prometido guardar essa semana só pra mim, pros meus pensamentos, pra estudar, curtir a família e principalmente pra esquecer o Miguel. Mas é o Miguel. Você entende, não é?

O Miguel é amigo do Júlio, meu irmão mais velho desde que eu me lembro. Deu pra sacar? Ele nunca me olharia como eu olho pra ele, e mesmo que olhasse, nunca rolaria nada entre a gente.

A gente foi num barzinho com uns amigos, que pra falar a verdade, são todos amigos do Júlio. Eu tava me sentindo meio intrusa, além de ficar meio besta porque tava perto do Miguel. Eu queria saber lidar normalmente, sem parecer uma retardada que ri demais de qualquer coisa que ele diga, sem ficar olhando fixamente naqueles olhos cor de mel e sem ficar babando igual uma tonta em cima dele. Mas eu não sou normal.

O Miguel foi me pegar em casa e passou o caminho inteiro comentando o quanto eu estava parecendo uma criança sapeca com aquela roupa. Eu revirava os olhos e socava seu ombro fraquinho, mas ele só sabia rir da minha cara sem parar. Por causa do trânsito, a gente passou um bom tempo à sós conversando bobagens, aleatoriedades e coisas que eu só falava com o Miguel, que meu irmão nem podia desconfiar. Palavrões e coisa e tal, porque minha família sempre foi chata e rigorosa pra essas coisas.

Miguel é meu porto seguro, e de uns meses pra cá a gente tem se aproximado, o que pra mim seria bom, se ele não fosse amigo do meu irmão. Mas convenhamos, o problema disso tudo é que eu sou sonhadora demais, porque um cara como ele nunca, nunca, NUNCA, nunquinha olharia pra uma garota como eu (até porque eu conheço seu tipo de garota e  não faço parte do padrão). Ele vem sendo um ótimo amigo e eu tento ser uma boa amiga também, às vezes banco a palhaça só pra vê-lo rir porque acabo rindo junto.

Quando a gente chegou o pessoal já estava por lá e o Miguel foi buscar uma cerveja com alguns dos outros meninos. Eu fiquei na minha porque odeio cerveja e não tava afim de beber nenhuma outra coisa. Assim que eles voltaram fomos pras mesinhas de pebolim, já que as de bilhar estavam ocupadas. Por mim tanto fazia, ia acabar pagando mico e sendo zoada por todos eles de qualquer jeito. Queria ter ficado no time do Miguel, mas ele foi jogar com o Rodrigo e eu jogava com o Luquinhas. Foi engraçado, principalmente porque eu era a pior dali. Numa hora, o Rodrigo fez um ponto e o Miguel veio tirar sarro, apontando o dedo na minha cara daquele jeito arrogante que eu detesto:

– WOOOOOW! BEM RODRIGO! – comemorava ele, antes de se aproximar – NOSSA, VOCÊ DEVIA IR PRO INFERNO DEPOIS DESSA, SABIA? – e ria loucamente. Tive certeza de que estava ficando vermelha de raiva e de vergonha. O pessoal gostava de deixar ele e eu em times opostos porque ambos somos muito competitivos e eles morriam de rir com a nossa infantilidade.

– Eu acho que isso foi sorte. – todo mundo se virou pra olhar o Pedro, quieto no canto dele como de costume. Ele não quis jogar – Foi só um palpite – completou.

Miguel ainda esperava minha resposta, mas o Luquinhas e eu estávamos perdendo, então eu não tinha argumentos – PORQUE VOCÊ NÃO VAI PRO INFERNO? – disparei irritada e o Miguel se assustou, arregalando os olhos, mas por pouco tempo porque eu ria sem parar da sua reação.

Decidimos voltar pro jogo e o Lucas marcou ponto, logo foi minha vez de comemorar:

– Nossa Lucas, você joga MUITO, sabia? Diferente daquele golpe de sorte daqueles caras ali – apontava como se não conhecesse. Dei a volta na mesa e cheguei bem perto do Miguel, que deveria ser uns 30 centímetros mais alto, afundei o dedo na camiseta dele e perguntei: – Você não tá com vergonha? Porque não vai pro inferno?

– Pra mim foi sorte de novo – sorri fraco pro Pedro, porque o Miguel estava com uma cara furiosa.

Depois de algum tempo, o próximo ponto foi ele mesmo que fez, o jogo acabou, e eu esperei o troco.

– O que você tá fazendo aqui ainda? Sai daqui vai, melhor pra você. Se eu fosse você já tinha sumido da minha frente e ido PRO QUINTO DOS INFERNOS!

Olhei pra ele atônita, com careta forçada de choro e ele ficou branco. Soquei o ombro dele  – Ah, para de bobeira, você me adora – e sorri largo. Ele me fitava inexpressivo – Ou então eu tô muito enganada e deveria mesmo ir pro inferno – disse, me virando, mas ele me abraçou frouxo, como sempre era na frente dos outros e eu queria muito, muito mesmo que ele tivesse cochichado pra eu ficar, que era besteira. Mas não aconteceu. – Não fica assim, vai, Lauren! – Foi o máximo que ele disse, me chamando pelo apelido que me deu.

Pra mim ele ainda era “o” Miguel. Mas pra ele eu sou só a Lara.

Pela Última Vez

Edição Completa

Passava das quatro horas de mais uma madrugada em que Kate não conseguira pregar os olhos. Não era a segunda, não era a terceira, nem mesmo a quarta ou a quinta. Devia ser a milésima, ou mais. Como havia se tornado comum, ela não deu importância.

Levantou e resolveu analisar a situação. Havia tempos que não era a mesma pessoa e hoje tinha chegado ao ponto de nem ela mesma se reconhecer. Diante do espelho notou seus olhos, que antes eram brilhantes, grandes e vivos. Agora, eles davam medo, como um lago negro e profundo, onde quem entrasse se perderia para sempre. As olheiras estavam ainda mais escuras e fundas, acentuando a expressão obscura da pequena e delicada Kate.

Andando calmamente pelo quarto, resolveu abrir a janela e presenciar o primeiro raio de sol que resolvesse aparecer, levando embora sua tão amarga amiga noite e trazendo acima do horizonte, mais uma cansativa vez, outro dia infeliz.

Pensou nos amigos que tivera, nos garotos que admiraram-na, no apoio da família, e viu tudo desvanecer diante de sues olhos, mais uma vez. Relembrou a sua vida doce, humilde, e depois, tudo desmoronando. Contemplou a sua ruína novamente. E jurou que seria a última vez.

Sentada no parapeito da janela do seu quarto, ela não hesitou em obedecer seu instinto. Não ligou de estar no décimo terceiro andar. Não se preocupou com a sua consciência, nem com a falta de juízo. Nada disso importava agora.

“Pule!”

Kate estava lá, sob a suave brisa da manhã recém-acordada. Teve a sua primeira noite tranquila em meses. Costumam dizer que, no seu último segundo, você revê tudo o que passou em vida, mas nem sempre é assim. Ela, desacordada, encolhida em posição de feto, apenas dormiu profundamente, um sono sem sonhos, sem desespero, sem dor.

Antes de pousar levemente no chão, Kate foi amparada e confortada, e partiu sorrindo, agasalhada e envolvida pelo manto sombrio da Morte.

Até que ponto você seria capaz de chegar por alguém que admira?

Foi buscando a resposta para essa questão que eu conheci Lia, com quem passei os últimos meses… Alguém de coragem que, pelos amigos, chegou a lugares que poucos chegariam, tanto mais sobre as condições a que foi exposta.

EM BREVE!

por O lado escuro da lua Postado em Contos *

Especial dia dos Namorados

fora de época!-

(sugestão de trilha sonora: Linkin Park – Valentine’s Day
ou:  BoA – Every Heart)

Se um dia me perguntassem qual é o meu feriado preferido, eu responderia sem hesitar. É hoje. Dia 14 de fevereiro, dia de São Valentino. O dia dos namorados. O.k. Eu concordo com você, se estiver se perguntando o que uma garota à beira dos dezesseis anos que nunca teve um namorado na vida, nem nada que valha o mesmo, pode pensar sobre o dia dos namorados que a faça considerar o melhor feriado entre todos os outros do ano.

Bem, eu poderia escolher o Natal, ou o Ano-novo, como a maior parte das pessoas. Ou poderia escolher o Dia de Ação de Graças, ou o 4 de julho, o Dia da Independência. E é verdade que eu não tenho a mínima experiência com relacionamentos. Mas bem, eu tenho certeza de uma coisa. Na verdade, de duas. A primeira: eu gosto de pessoas. Eu simplesmente amo-as de alguma maneira que n ao sei explicar. A segunda: eu gosto de demonstrações de carinho e amor. Eu gosto de ver a pátria que eu tanto amo demonstrando o mesmo amor entre seus comuns.

Esse é o espírito que me faz gostar do dia dos namorados. O amor, o carinho, a compreensão. Mesmo que só uma vez por ano. Mesmo que só nesse dia os filhos lembrem de fazer o café e leva-lo na cama aos pais. Mesmo que só hoje a namorada deixe o orgulho de lado e peça desculpas pela briga de ontem. Mesmo que só hoje o rapaz excluído tenha coragem de se declarar
para aquela líder de torcida por quem ele foi apaixonado a vida toda.

Dizem que o dia dos namorados tem uma magia especial. Algo que envolve a data, o lugar e as pessoas numa coisa só. Como se uma neblina suave pairasse ao redor, acolhendo todo mundo. O ar fica mais leve, mais fácil de respirar e parece que todos sentem o mesmo. Na minha opinião, deve ter mesmo alguma mágica nessa data tão emocionantemente simples.

Andar pelas ruas do centro de Nova Iorque nesse dia é completamente diferente, uma experiência única a cada ano. Por isso, vesti minha roupa preferida de inverno – um vestido de mangas longas e gola alta, de plush branco, com uma meia-calça branca também e um sapato fechado de salto alto (preciso dizer que é branco?) – e saí logo depois de dar bom dia à minha mãe.

O fato é que eu gosto muito de sair para andar sozinha nesse dia. É tão bom sentir o aroma das flores em pleno inverno, e o calor dos sentimentos que as pessoas emanam! É como o “espírito de natal” em que todos acreditamos. É a própria presença dos sentimentos mais nobres que um coração pode ter.

Continuei andando descendo a Avenida Principal, observando homens sem medir esforços para agradar suas amadas, garotinhas da minha idade e mais novas rindo e correndo juntas, com milhares de cartões vermelho-branco-rosa em formato de coração para entregar às suas paixonites.

Isso tudo me fazia um enorme bem.

Eu olhava para os lados, distraída, quando esbarrei em alguma coisa. Ou seria melhor corrigir: esbarrei em alguém. Ergui os olhos e lá estava ele: o rosto em formato de coração, delicado, a pele morena, o nariz fino e o sorriso torto nos lábios rosados, o topete propositalmente desgrenhado, castanho escuro, combinava com os cílios negros finos, compridos e em abundância, ressaltando os olhos castanhos mais intensos que eu já vira em vida.

Se me perguntar o que ele usava: eu não sei. Não consegui reparar. Não consegui desviar os olhos do seu rosto perfeito, ao mesmo tempo que quase me entorpecia com a fragrância amadeirada que exalava. Então em dei conta que eu estava prestando atenção demais – descaradamente.

– Ah, eu… Bem, me desculpe, eu estava distraído e…

– Não, tudo bem, acontece.  – Tentei sorrir, mas não demais.

– Não, é sério, eu insisto… Quer dizer, eu atrapalhei você, eu devo uma justificativa, no mínimo… Será que? Não… É… Não sei, mas… Bem, posso compensar? De algum jeito? AH! Droga! Não fala isso! Idiota! – ele batia na própria cabeça, dramaticamente – Droga, droga, droga!

– Ei! Para! Não precisa se explicar, eu que devo desculpas a você. É esse clima sabe? Me deixa distraída… É tudo tão bonito!

– Ah, eu também… Também fico meio estranho com tudo isso… É tudo tão divertido, parece que mexe com tudo, por dentro sabe? Ahn, deu pra entender, né?

Eu ri baixinho.

– Deu, sim. Epa! O que é isso?

– Isso o que?

– Na sua mão!

– Ah, eu devo ter machucado enquanto colhia isso.

Ele tirou do bolso uma pequena caixinha de plástico, um tanto disforme, que continha algo dentro

– Tome, pegue para você. Eu queria dar para alguém especial e… Ah, você sabe… Depois do que aconteceu, pode ficar com ela.

Eu abri a caixinha e encontrei uma pequena e linda flor vermelha, como um pequeno cravo, recém colhido, preso a um alfinete.

– Dura apenas um dia – ele explicou, e prendeu o broche em meu vestido, bem na direção do meu coração.

– Devo aceitar como um pedido de desculpas?

– Que tal como um convite pra sair? – Ele abriu o sorriso inteiro agora, tentando demonstrar segurança. Acredito que queria convencer mais a si mesmo do que a mim.

Tudo bem. O que eu fiz a seguir foi loucura. Eu poderia ter sido enganada. Poderia ter me machucado feio nessa. Poderia ter sido pega numa armadilha, ou coisa assim. Mas eu senti uma confiança tão grande naquele momento, que não pensei mais em nada. Assenti.

– Pode ser.

– Prazer, eu sou o Steve.

– E eu sou Maryanne.

Pode parecer conto de fadas, mas é real. Isso acontece, de vez em quando… Foi comigo hoje, pode ser com você amanhã. Pode nunca acontecer com algum de nós. Eu só tenho uma explicação para isso:

Dizem que o dia dos namorados tem uma magia especial. Bem, eu não sei vocês, mas eu acredito nessa magia…

por O lado escuro da lua Postado em Contos *

Monstro encontra Garoto

Título Original: Devil meets boy

tradução: demônio encontra garoto

Adaptação: Monstro encontra garoto

            Não sei. Isso é contigo. Talvez outros sejam feitos de outro estofo, mas eu sou assim. Que fazer? Assumo toda a responsabilidade. Se fôssemos analisar os fatos, o verdadeiro responsável foi o sujeito que me vendeu os sapatos. Sou um homem, nem mais nem menos, um homem dos pés á cabeça, como diz o senhor Hoyos. Não o consegui suportar, foi só isso. Há dores que não conseguimos suportar. Uma vez operaram-me sem anestesia, porque eu quis. Mas isso é outra história. A verdade é que eu já não aguentava aquela dor, insidiosa, hipócrita, sem nome. Fui obrigado a apanhar um bonde.
            Peguei minha condução preocupado exclusivamente em sentar-me, de preferência, sozinho. Não havia como, estava quase lotado. Desdobrei-me a fim de encontrar um lugar vazio ao lado de alguém que parecesse ocuado o suficiente pra me deixar em paz com a minha dor. Isso se for possível conviver com tla incômodo.
            Sentei-me ao lado de uma jovem que mantinha as mãos cruzadas sobre os joelhos. Com a cabeça abaixada, não pude ver seu rosto, mas com o pressuposto que estivera chorando recentemente (ou que ainda estivesse), resolvi perguntar-lhe o que estava havendo. Pois a única coisa que poderia me machucar mais agora, seria a dor de outra pessoa.
            – Já sentiu medo de algo fora do normal? – seu rosto estava vermelhoe seus olhos transbordavam sentimentos não mencionados.
            – Já se sentiu diferente? Já se sentiu sozinho quando tinham muitas pessoas ao seu redor? Já precisou muito de laguém quando ninguém estava lá? Hein?
            Estava alterada, desesperada, era visível. Mas eu a entendia. Sabia o que estava sentindo. Já me senti assim também. Não sabia como agir, não lido bem com os sentimentos, nem meus, nem de outros, quaisquer que sejam.
            Quando me dei conta, disperso que estivera, ela estava segurando minha mão. Sua pele alva, macia e delicada… Agora percebia o quanto era bonita. Os cabelos louro-arruivados, como os meus, caíam em ondas leves sobre seu ombro coberto com uma blusa de gola rulê num tom de azul contrastante.

            Tentei me concentrar, tentei não me render. Impossível. Suas mãos já percorriam meu peito de baixo a cima, seus braços já envolviam meu pescoço, sua boca cada vez mais perto, parecia tão perto… tão perto…

            – Já sentiu medo de algo fora do normal? – repetiu ela, sussurrando em meu ouvido.

            Não consegui responder.

            – Pois já está na hora de acreditar no sobrenatural.

            E foi a última coisa que eu ouvi antes da distorção. Suas mãos se tornaram ásperas, suas unhas cresceram como garras ao redor do meu pescoço. A primeira cabeça rolou pelo bonde e caiu nos paralelepípedos disformes da rua de pedra. Agora era tarde demais.

por O lado escuro da lua Postado em Contos *

! Mundo Real.*

            Andei perguntando para o céu o que eu fiz pra merecer meu irmão, os desconhecidos da rua, e principalmente pra nascer nesse mundo. Sério, acho que eu sou verdinha ou talvez irracional. Pode não ser nada disso, mas a verdade é que parece ser. Ou então eu estou viajando, de novo. Não sei, mas acho que a minha vida tem se tornado um pouco chatinha nos últimos tempos. É por isso que eu estou aqui: numa fila enorme e infernal, pra assistir um filme qualquer em sua absoluta estréia.

            Eu acho o teto do shopping muito interessante, pelo menos deste aqui. Todo trabalhado, com algumas formas geométricas coloridas espalhadas em um fundo preto, com círculos grandes contornados em dourado. Um pouco psicodélico, mas de certa forma é gentilmente animador. Perdi certo tempo observando a falta de céu azul da cidade grande quando alguém balbuciou qualquer coisa sem nexo pra mim.
             – Senhorita… Vai ou não querer a entrada? – O rapaz com o boné vermelhinho e o nariz gigante e achatado repetiu mais uma vez a pergunta com aquele desânimo aparente e a voz fanha e tosca:

             – A senhorita vai ou não querer as entradas?

             – Ah, sim claro – olhei acima de mim a tabela de horários – Hmm… Não tem nenhuma sessão para aquele novo filme? – e como era o nome do filme mesmo?

             – Não aqui, a senhorita terá que entrar naquela outra fila à sua direita.
             – Essa? Apontei.

             – Essa não seria a sua direita, senhorita. – A voz dele de “oi, eu sou o Mickey Mouse” me deu ataque de riso. – Senhorita, eu não tenho tempo para esse tipo de gracinhas, vá para a fila certa e pare de embaçar que ainda tenho muitos clientes pra atender por aqui. O PRÓÓÓÓÓXIMO, por favor!

            Andei, histérica, para a gigante fila à minha direita, com todas as pessoas me olhando de cara fechada, por meu previsível engano. Deu-me desânimo ao ver que esta fila estava três vezes maior do que a última. Tentei, em vão, calcular mentalmente quanto tempo eu ainda levaria pra entrar na sala de cinema.

            Continuei dispersa, sem ligar para a quantidade lamentável de comentários ao meu redor, principalmente porque tratavam da minha pessoa. Observando atentamente os desenhos imitando vitrais no teto, eu mal percebia o movimento lento e exaustivo da multidão amontoada à minha frente para conseguir os últimos ingressos que lotariam a última sala naquela estréia.
            Agarrei a primeira prega da saia plissada branca do meu vestido preferido com uma mão, enquanto a outra, desajeitada, anelava uma mecha do meu cabelo impecavelmente liso e embaraçado. A falta do que fazer deveria me irritar, mas eu via as formas abstratas e indistintas decorando o teto e o chão do shopping sorrindo e dançando na minha frente. E eu sonhei. Sonhei ser uma delas, ser como elas, poder fugir e me transformar, não ter mais de agüentar nada nem ninguém.

            Sonhei ser livre e dançar naquele ambiente aconchegante sem me irritar com o vento do ar condicionado, vendo pessoas diferentes passar cem vezes ali em suas vidas. E principalmente, em ser eterna figura estampada, até que outro ou outros parassem para me acompanhar em minha jornada infinita. Sonhei em cumprir meu papel de utilidade sem medo, sem vergonha, sem dor.

            Não sei ao certo quanto tempo passei fantasiando com o abstracionismo proposital, mas com certeza foram horas, muitas, suficientes pra esvaziar a fila extensa que eu acompanhava. Aliás, pra que eu estava ali mesmo? Ah, sim. Minha recente liberdade e a impaciência de permanecer dentro de casa me levaram ao shopping, mais precisamente, ao cinema.
            Ouvi um som distante, um rumor de uma voz desconhecida e afável, que pensei ser de um garoto dirigindo-se carinhosamente à sua namorada. Sorri satisfeita. O amor é mesmo lindo. Repetiu-se a frase.
            – Senhorita? Está tudo bem?
            Só então percebi que a voz falava comigo. Tentei recompor minha expressão e reparei na minha postura inadequada. As mãos fechadas, os dedos cruzados, os braços pendidos à altura do quadril, a cabeça erguida e o pescoço confortavelmente dolorido. O sorriso infantil, que sempre aparecia quando eu devaneava solitária.
            – A senhorita aceita uma água? Quer ajuda pra alguma coisa? – era a voz masculina, preocupada, paciente e prestativa de novo.

            Então consegui me adequar à situação. Baixei o olhar, e antes que meu rosto voltasse á altura natural eu os encontrei. Os olhos verde-escuros mais brilhantes que eu já vira. Corei levemente, percebendo quanto tempo passei terna, admirando os olhos intensos e luminosos.
             – Desculpe, falava comigo? – Será que eu conseguia ser mais idiota?
             – Sim. Faz uns dez minutos, mas a senhorita não despertava do transe. Aconteceu algo? Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-la?
             – Ah, sim. Meia, por favor. – Fiz menção de alcançar o bolso.
             – Lamento muito. As últimas entradas eram para a sessão das dez e quinze. Esgotaram ainda há pouco,e a sessão já começou.
             – Quê? Que horas são?
             – Dez  e meia.
            Fitei mais uma vez o rosto bondoso, prestando mais atenção ás feições finas e delicadas, o sorriso simpático do moço de boina vermelhinha. Céus! Como podia ser menos estranho, até bonito ver o chapéuzinho largo e o avental longo nesse rapaz, tão diferente do outro, tão atencioso, tão…
            – Por favor, senhorita! Fico assustado com essas suas paralisias repentinas. Vem comigo, vamos nos sentar e tomar uma água.
            O pânico tomou conta de mim. E se ele fosse um maníaco?
            – Mas como vou sair com você se nem o conheço? – puxei o braço, bruta e me esquivei.
            Ele revirou os olhos, depois baixou-os, sorridente. Sorridentes olhos, sorridente face. Sorri também ainda confusa. Ele interpretou minha reação.
            – Me chamo Tom, e estou te convidando pra descer três andares de escada rolante comigo, sentar numa mesinha aconchegante na praça de alimentação e tomar uma garrafa de água.

            Eu ri e assenti, animada.
            – Assim está melhor. Me chamo Ana Elisa e aceito o seu convite. Mas… E o seu serviço?
            – Meu turno acabou.
            Ele tirou o avental e a boina, revelando o cabelo loiro escuro, curtinho e arrepiado, ainda sorrindo gentilmente. Ele passou meu braço por sua cintura, analisando, receoso, minha expressão. Como não demonstrei rejeição, ele sorriu abertamente e me abraçou firme, conduzindo-me até a escadaria.

            Naquele momento, senti que o ambiente quase vazio fazia eco dos meus batimentos subitamente acelerados. Descendo automaticamente, senti seu olhar sobre mim e encarei de volta. Estava mesmo ali, quente e estonteante, tanto o verde dos olhos, como o branco dos dentes. Eu corei e ele riu, me olhando profundamente. Então senti que nada mais importava…

por O lado escuro da lua Postado em Contos *

Um dia em que esteja tudo bem…

(sugestão de trilha sonora: Blackbirds – Linkin Park)

sete horas, doze minutos e quarenta e quatro segundos:

– Bom dia, Priiiiii!
– Bom dia Ju! Como está?

– Tudo bem, e com você?

Tudo bem? Bem, estou bem. Mas nem tudo está bem. Quer dizer, o que é “bem”? O que é “estar tudo bem”? Eu me pergunto, eu te pergunto, eu preciso saber. Se bem significa bem de saúde, estou bem. Tenho saúde física, mental e emocional suficiente pra me manter ajuizadamente numa rotina diária. Por isso estou na escola agora. E é por isso que revi a doce criatura que me fez essa pergunta. Afinal, o que pode não estar bem?

Em casa, está tudo bem sim, com papai, com mamãe, com meus dois irmãos. Ontem Rafael descobriu de que cor ficam os novos sapatinhos bege quando mergulhados numa poça de lama do parquinho. Victor, por sua vez, levou uma pequena advertência por paquerar a vendedora de sorvetes ao invés de cuidar direito da pequena criança. Mas só.

Na escola, minhas notas melhoraram consideravelmente e fiquei bem feliz por isso. Também, pudera. Nunca me dediquei tanto, em onze anos de colégio.

Com os amigos, tudo maravilhoso. Tirando uma ou outra intriga entre colegas um tanto quanto distantes, meu círculo pequeno de amizades se mantinha ligeiramente equilibrado.

Mas porque eu sentia a sensação de que nem tudo estava bem? O que poderia me abalar a tal ponto? Foi então que eu lembrei do principal. O que sempre me fazia bem, mas cuja falta me fazia tanto mal. Ele. Só com ele eu estaria completa, e completamente bem. Sem ele, eu era uma coisa oca e desiludida. Ainda assim era firme e consistente em alma. Mas sempre me parecia faltar um pedaço maior…

Bem? Ahh, eu estaria irremediavelmente bem se ele estivesse ao meu lado; Se ele tivesse me acordado de manhã com sua voz calma e gentil; Se ele estivesse com seus olhos profundos e alheios parados nos meus. Se ele me envolvesse em seus laços, se me acariciasse os cabelos com ternura, eu estaria de todo bem…”

sete horas, quatorze minutos e três segundos:

– Tudo sim, claro. Vamos pra sala? Acabou de bater o sinal…

“Eu ainda sinto o perfume dele perto daqui…”

por O lado escuro da lua Postado em Contos *

Identificação .

.- Parte única :

    Tudo bem, calma. O que quer que tivesse acontecido, não era motivo para que eu reagisse daquela maneira. Era incomum, era imprevisível, mas ainda assim era possível. “Respira e toma água”, pensei comigo mesma. Suspirei com pesar. Não havia tempo e nem lugar para isso. Minha atenção tinha sido exigida e dirigida para aquilo naquele momento.
    Pisquei freneticamente, as lágrimas encharcando meus olhos à medida que eu comecei a entender tudo com clareza. Talvez fosse um sonho, talvez um pesadelo. Ou talvez, o destino querendo me pregar – ainda mais – uma peça.
    Aquilo era absolutamente irreal.
    Eu estava parada, estática, imóvel, porém tremia. Tremia um nervosismo tão meu quanto dela. Nós duas, dois metros de distância, nervosismo duplo, felicidade dobrada. Tudo duplamente multiplicado. Aliás, compreensível…
Afinal, não é todo dia que a gente descobre que tem uma irmã-gêmea.
por O lado escuro da lua Postado em Contos *

“Eu nunca vou te desapontar”

(sugestão de trilha sonora: Wonderwall – Oasis)

Prólogo.

 

por Ana :
“Eu nunca vou te desapontar, eu prometo”, ele dizia. E não foram poucas as vezes. Até que ele havia cumprido a promessa… Até hoje. Infelizmente, só até hoje. Porque eu estava começando a me desapontar. Tinha demorado tanto tempo me vestindo, me arrumando – coisa que geralmente não faço – para quando ele viesse me buscar.
Ao que parecia, minha única companhia seria meu travesseiro, pelo resto da noite. Argh, isso era irritante e desconfortador.
Vestido, acessórios, sandália… tudo novo, tudo tão meu. Tudo tão planejado para esse dia. Para ser mais exata, para essa noite. E até agora, parecia que ia tudo pelo cano abaixo. Tudo desperdiçado, desapontado…
Eu só ainda não entendi como consigo manter as esperanças…

………………………………………………………………………………………..

por Murilo:
Eu prometi a ela… Não posso quebrar uma promessa, tenho que ter palavra. Ainda mais essa promessa… Mas não posso decepcionar meus pais também, eles contam comigo. Como pude esquecer, é a noite da família. A noite em que comemoramos as milenares tradições e tudo aquilo… Ai! Porque nascer numa família tão tradicional? Qual é, eu vivo no século vinte e um e não no quinze…
Só espero estar fazendo o certo.
E chegar à tempo…

01 – Ação

– Murilo… Aonde vai?
– Eu já volto, mãe.
– Murilo, não se esqueça que é a noite da família, ond…
– Onde agradecemos aos nossos antepassados e toda aquela ladainha que se repete uma vez por ano. Tá bem mãe, vou tentar chegar no horário.
– Tentar? Murilo, você sabe que seu pai não gosta que percamos nossas raízes e …
– Eu sei, mãe… vou fazer o possível…
– Mas…
– Até mais, mãe… – talvez eu não volte para o jantar… tomara que o papai me perdoe… embora eu saiba que não vai.
……………………………………………………………………

Dirigi um pouco apressado para a casa dela, torcendo muito para que ainda estivesse me esperando. Não sei se ela tinha outra companhia em mente, caso eu não chegasse a tempo, mas eu esperava que não. Afinal, não seria difícil de arranjar alguém melhor que eu… Talvez eu fosse só mais um. Mas eu não podia perder essa chance. Depois de anos tentando falar com ela eu tinha conseguido convidá-la para sair. Era uma vitória e tanto. Pelo menos parecia, para mim.
Estacionei perto do portão de entrada e caminhei quase ferozmente até a campainha. Eu tinha pressa, muita pressa. E estava agoniado, ansioso. Apertei o botão, ouvi o som estridente soar longe e esperei, aflito.

02 – Reação

por Ana:
O que esperar? Ainda há o que esperar? Acho que não, mas eu ainda não perdi totalmente as esperanças… Algo em mim quer e espera que ele venha… Enquanto a outra parte tem certeza de que ele vem.
………………………………………………………………………………
A campainha soou e eu fui atender. Óbvio, só eu podia atender, eu estava sozinha em casa. Aliás, esse era o problema. Eu ainda estava sozinha e ainda estava em casa. Revirei os olhos com sarcasmo.
Desci a escada correndo, tentando sufocar dentro de mim a esperança. Não podia ser ele, não com duas horas de atraso. Era melhor descartar a possibilidade de que ele ainda chegasse, do que ter uma decepção ainda maior ao abrir a porta.
Quando cheguei ao penúltimo degrau, tropecei no salto e caí. Com tudo. Com a cara no chão, descabelada e de mau jeito.
A campainha soou duplamente mais forte. A impaciência do ser humano me irrita.
Levantei. Pus o cabelo para trás, num movimento, e ajeitei o vestido. Prendi melhor a sandália no meu pé, para não pisar em falso e tentei identificar a pessoa através da porta de vidro embaçado. Um corpo magro, de estatura média, vestido de cinza. Pelo menos pareceu. Enfim, abri a bendita porta…
………………………………………………………………………….
por Murilo:
Afinal, porque eu estava aflito? Por desobedecer meus pais? Por sair com ela? Pelo que fosse, aquilo era tosco…
Não havia barulho algum e a casa parecia estar vazia. Como eu tinha sido tolo de acreditar que ela sairia comigo… Toquei a campainha de novo, dessa vez bem mais forte, para ter certeza do que estava fazendo. Virei as costas e ouvi um som estranho, alto e próximo. Tentei olhar pela porta, mas o vidro dela era embaçado demais. Resolvi esperar… Alguns passos leves; meu coração pulava…
A maçaneta girou; parei de respirar… E tomei um susto

 

……………………………………………………………………………

por Ana:

Ele estava ali. Mas quem era ele e o que estava fazendo? Quebrando meu sonho, desfazendo minha esperança? Eu não esperava ele. Aliás, a essa altura, eu já não esperava ninguém. Preferia ficar sozinha… Pensando… Quando ele me interrompeu de súbito:
– Oi, aqui é a casa da Cris, certo?
“Errado, cara pálida. Agora com licença, preciso aproveitar minha noite soitária com meu balde de pipoca.” O.k. eu não disse isso. Mas não faltou vontade…
– Não, aqui não mora nenhuma Cris. Deve ter errado o endereço. – Como era burro a esse ponto?
– Ah, sim, desculpe incomodar – olhou o relógio vermelho que trazia no pulso – Já vou indo então…
– Ei, espere… Não quer entrar, beber um copo de água, ou algo assim? – de onde eu tirei aquela doçura e simpatia toda? – Você parece cansado – PARECE? ele está suando como se estivéssemos no verão… – Vamos, não vai doer… – agora pareço uma enfermeira tentando acalmar um bebê prestes a levar uma injeção. Que nojo! – Eu estou sem companhia essa noite mesmo… Cinco minutos com alguém não vão atrapalhar.
– Bem, na verdade, eu preciso realmente ir embora. Já que não tenho companhia pra essa noite, eu vou voltar pra jantar em casa…

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03 – Resultado.

por Murilo:
O que eu estava fazendo? Ela era linda, estava sozinha e chateada – tanto quanto eu – e ela era um garota. Não a garota pela qual eu fui apaixonado sete anos, mas era uma garota… E eu não devia deixá-la naquele estado. Que falta de sensibilidade a minha…
– Ah, claro, tudo bem… eu vou entrar então se não se importa. Me perdoe pela sua… Hã… Namorada, eu acho… Adeus…
– Não, espera…
– Sim?
– Você não se vestiu assim pra passar a noite sozinha em casa não é?
– Na verdade não. Eu ia sair com… Bem, ele não veio, e acho que nem vem mais. – ela deu de ombros e olhou de lado.
– Ah, claro, entendo… Então… Já que você está sem companhia – e eu também estava – o que acha de vir comigo?
– Hm… Mas e a sua namorada?
– Ela não é minha namorada… – e depois de hoje, não quero que venha a ser

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por Ana:

Parem o mundo, eu quero descer! Eu tinha levado um bolo do Marcos… E agora o estranhozinho-de-cinza estava me convidando pra sair… Bem, eu não tinha nada a perder, embora tivesse pouco a ganhar…
– Hã, qual é o seu nome mesmo?
– Murilo. E o seu?
– Ana, prazer em conhecê-lo – Eu completaria com “menino estranho que pretende salvar a minha noite fracassada” mas podia parecer que eu o estava pressionando. E eu não queria isso.
– Bem, Ana… Tá afim de jantar comigo hoje? Comida Japonesa… Se não gostar, podemos mudar de ideia…
– Não, tudo bem. Eu adoro comida japonesa… E sim, aceito – afinal isso me pouparia a troca de roupa e eu não teria me arrumado em vão. Sim, preguiça é meu segundo nome.
– Bem, vamos então…

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por Murilo:

Eu não podia acreditar… Me perdi na cidade que me viu nascer, conheci uma menina mil vezes mais linda e interessante que a Cris e ela tinha topado sair comigo. Era meu dia de sorte… Não importava a bronca e nem o castigo que eu receberia por faltar à reunião da família… Não importava mais nada, apenas estar com ela !

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por Ana:

Eu não conseguia acreditar… Com certeza era meu dia de sorte… Dane-se o Marcos, dane-se todo o resto, o sofrimento, a raiva… Tudo que eu queria era estar com ele…
Ele olhou nos meus olhos e sorriu.
Mudei de opinião… Talvez fosse ele quem eu estava esperando…
por O lado escuro da lua Postado em Contos *

Sobre os pensamentos de Megan .

Ela realmente esperava que aquele banho lavasse sua alma, levasse suas lágrimas embora, para o nunca mais. Mas ela sabia que não conseguia chorar no banho… Na verdade, nunca conseguira. Só podia chorar antes dele, ou depois. Nunca durante.
Mas como era tola de pensar que um banho lavasse sua alma… Tudo que podia realmente limpar sua pequena e sofrida alma era uma boa e gelada chuva de inverno.

Resolveu secar-se, pentear-se, vestir-se. Foi observar. Observar era seu hobby. Observava tudo, e ninguém a notava. Observava e depois deduzia. Na maior parte das vezes, deduzia corretamente. Com certeza, teria uma carreira promissora de detetive. Mas isso já é o futuro, e o futuro é outra longa história…
Dessa vez, observava sua família: Seu irmão mais velho, viciado em videogames. A discussões banais entre seus pais aumentava. Por que ela era tão diferente? Tão calma, introvertida, antisocial? Tão “ela” em relação ao tudo, em relação á todos? Pensava, pensava… Sentia… Não transparecia nada, não reclamava, quase não falava, nunca gritava. Mas quem se importava?
E assim vivia, dia após dia, sofridamente todos eles. Sozinha, abandonada, condenada a sua única companhia: si mesma. Pensava, refletia e filosofava o tempo todo, todo o tempo. Assim era a confusa cabeça da pequena Megan. Pequena do corpo, pequena em idade. Mas não era pequena de mente. Tinha muito mais que um metro e trinta de inteligência e muito mais que nove anos de experiência, marcados em sua alma. Mas quem ligava?
Não entendia o que se passava com ela, nem com ninguém. Mas sabia muito mais do que aparentava. E tentava sempre melhorar, mas afinal havia quem visse?

Não precisava usar dos artifícios vocais para se expressar. Ela não se expressava mesmo. Mas a gritaria, o escândalo, a agonia ia muito além das discussões que presenciava. Ela tinha essa parte de vida muito bem comandada, ali. Tudo ali guardado, trancado. Tudo sempre estivera bem ali, dentro de seu também pequeno coração.
Assim vivia Megan. Não queria nada de ninguém, ninguém nada concedia a ela. Mas, a coitadinha, precisava de um voto de confiança. Infelizmente, seus pais estavam ocupados demais brigando, seu irmão jogando, sua avó conversando, seus tios trabalhando, suas primas estudando…
“É isso! Isso, Megan… Vá estudar, pelo menos você se distrai um pouco. Assim mesmo. Deixe para sofrer mais tarde, quando estiver sozinha, de noite, quando a lua reinar no céu e os sentimentos vierem à tona como cometas rápidos e frustrantes. Tranforme-os em água, deixe os rolar a partir de seus mágicos olhinhos pequenos. Assim está certo… Escondida. Ouça-me sempre, Meg, eu sou sua consciência…”

(sugestão de trilha sonora: Shadow Of The Day  -Linkin Park)

por O lado escuro da lua Postado em Contos *